segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A rainha do clique

Aos 60 anos, Arianna Huffington, volta a fazer justiça ao apelido de "grega mais ascendente desde Ícaro". Como boa parte da história ocidental, tudo começa em Atenas.
Uma imigrante grega convence centenas de pessoas a escrever de graça num blog coletivo e visualmente sofrível, operado de sua casa em Los Angeles. O site atrai tanto tráfego que consegue o primeiro grande contrato publicitário para uma empresa de mídia exclusivamente online. Menos de seis anos depois, o site é vendido por US$ 315 milhões para uma corporação que não dá lucro. A empresária prefere os seus US$ 100 milhões em dinheiro vivo, obrigada, nada de ações.
Um vizinho de Arianna Huffington no afluente bairro de Brentwood, com o poder de aprovar roteiros num estúdio de cinema, seria perdoado por considerar a trama implausível.
E se juntarmos os ingredientes:
A ateniense, nascida Arianna Stassinopoulos, se mudou para a Inglaterra aos 16 anos, estudou em Cambridge e publicou, aos 23, o livro The Female Woman (A Mulher Feminina), um libelo contra o movimento de emancipação da mulher.
Dita personagem emigrou para a Califórnia no começo da década de 80 em busca de um marido e encontrou o par perfeito num republicano e gay. Durante 11 anos, já assinando o nome da família que fez a fortuna em petróleo, Arianna trabalhou pela carreira política do marido deputado, mas ele não conseguiu se eleger senador. Ela aderiu a um think tank conservador criado por Newt Gingrich, nêmese de Bill Clinton. Continuou a cometer livros, entre eles duas biografias best sellers de Pablo Picasso e Maria Callas, ridicularizadas pelos críticos, mas controvertidas – um adjetivo que a autora grudou em si mesma com astúcia.

Ultraje liberal
Na virada do século, Arianna celebrou a meia idade com uma conversão ideológica. Em 2003, já divorciada de Michael Huffington e instalada na mansão que ganhou no divórcio, Arianna concorreu como independente ao governo da Califórnia e perdeu para Arnold Schwarzenegger. George W. Bush invadiu o Iraque, o movimento conservador se fortaleceu, um blogueiro sinistro, Matt Drudge, exercia enorme poder com seu sensacionalismo ultraconservador e Rupert Murdoch investira seu peso bilionário na gritaria de direita. Os democratas e liberais americanos se viram órfãos na mídia. Na mansão de Brentwood, Arianna reúne amigos e socialites, gente como Larry David, o criador de Seinfeld, e trama uma ofensiva anti-Drudge.
Enquanto a receita de publicidade das companhias tradicionais de mídia sangrava cada vez mais, a fundadora do Huffington Post misturou a receita genial. Atraiu tráfego com "agregação", o eufemismo da era da Web 2.0 que é mais ou menos assim: o New York Times manda seus repórteres arriscar a vida em Cabul, a um custo altíssimo para jornal. O HuffPost reproduz a reportagem com manchetes garrafais, paga amendoins ao jornal e vende anúncio em cima do conteúdo alheio.
Milhares de blogueiros mantêm o site recheado de conteúdo original grátis. Eles são celebridades – socialites, atores, políticos. Ou diletantes em busca de atenção. Arianna Huffington, coroada a madrinha da reação na mídia que ajudou a eleger Barack Obama, não se tornou multimilionária publicando nomes griffes como Bill Clinton ou Alec Baldwin. A fórmula que tornou o HuffPost um fenômeno de tráfego se apoia pesadamente na otimização das ferramentas de busca, a repetição de palavras inseridas nos textos que atraem cliques.
Mas as matérias que fizeram a fortuna do site não são sobre a defesa do seguro-saúde e sim sobre a defesa de Lindsey Lohan. No último ano, a perspicaz Arianna aumentou a equipe remunerada do HuffPost para 200, contratando veteranos do New York Times e de outras redações. O ultraje liberal não dá tanto lucro no governo Obama. O HuffPost poderia ter chegado ao limite com sua fórmula. Teria que gerar mais conteúdo original e amadurecer editorialmente. O pescoço de Nora Ephron e a indignação de Sean Penn têm quilometragem limitada como geradores de receita.

Chances duvidosas
Instituições como o New York Times, a revista Time, o jornal britânico Guardian, recuperaram terreno online e vão trancar seu melhor conteúdo. Os algoritmos do Google e do Bing vão tornar as buscas cada vez mais seletivas porque, se você é como eu, quando digitamos "Ucrânia" não estamos interessados em traficar menores de idade online.
"E quem precisa de mais um jornal online?", pergunta, cético, um membro do comitê editorial do New York Times. Jornalismo custa caro e consome tempo, ele continua. "Acabou a farra do grátis inesgotável. O grátis continua, mas a seleção qualitativa vai ter um preço e vai ter audiência", prevê o editor.
Entre seus milhares de blogueiros que escrevem de graça, muitos acusam Arianna de se vender para uma corporação e ameaçam boicotar o HuffPost/AOL. A ameaça não despenteia uma mecha de cabelo da empresária. Ela sabe que sua mão de obra grátis é movida por outro eufemismo da internet, a plataforma. Um megafone para se promover e vender produtos, sejam livros ou programas de ginástica.
Mesmo que as chances de sucesso no casamento com a AOL ainda sejam duvidosas, no olimpo que conquistou Arianna sorri como Artemísia, senhora das flechas de ouro, atenta à próxima caça.


Texto escrito pela jornalista Lúcia Guimarães e reproduzido do caderno "Aliás" do Estado de S.Paulo, 12/2/2011

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